Perder quem amamos

 

 

Perder um amigo e quatro patas é das piores coisas que já vivi. Esses seres maravilhosos acompanham-nos durante escassos anos, sem nunca nos julgar ou criticar, nem sequer dar a sua opinião. Estão e pronto. Nos seus olhares, só leio aceitação e carinho.

Já tive o meu lote de más notícias, de telefonemas ao romper da aurora ou ao chegar à casa, na véspera de sair de férias, com malas meio cheias meio vazias esquecidas no corredor. São telefonemas que ninguém quer receber, mas que acabamos todos por atender um dia. Da minha parte, nunca houve duas reações iguais: vazio, gritos, questões, choro, raiva. Ontem foi mais um dia destes. Depois de uma jornada de trabalho que não correu bem, daquelas que reforçam o meu sentimento que os humanos são estúpidos por natureza, que passam a vida a rebaixarem-se uns aos outros, entrei em casa, pronta deliciar-me no conforto de sofá. Nessas horas sei que posso contar com uma gata de dezassete anos, um bichon maltês de treze e uma mistura de pastor alemão com labrador que confundem por vezes com um rottweiler. Mas levei com mais um golpe no coração: encontrei o Dusky deitado no seu cesto. Não se levantou para me acolher, não choramingou atrás do portão para ser libertado e correr pelo jardim. Partiu tranquilo, deitado na sua cama, enroladinho como de costume. Simplesmente não acordou.

Por mais que me preparasse para tal acontecimento, pois o Dusky tinha dez anos e sofria de doença cardíaca, fui apanhada de surpresa. Chamei por ele e não reagiu, não abanou a cauda. Percebi que nunca mais iria abanar a cauda para mim, ou dar-me beijinhos na mão com aquela língua de palmo e meio. Tornara-se expert na arte de dar toquinhos suaves com a ponta, bem explícitos para mim: “Estou aqui e gosto muito de ti”.

 

 

 

 

Com esta história, não pretendo pôr ninguém a chorar, senão contaria o que senti quando o meu gato morreu nos meus braços ou o dia em que familiares muito chegados partiram para sempre. Claro que haverá quem leia e pense: “não é comparável! Perder pessoas não é o mesmo que perder um animal de estimação!”. Não pretendo debater o assunto, nem sequer vou aqui dar a minha opinião. Não se engane, caro leitor, estas linhas são meramente egoístas. Servem apenas para exorcizar a minha dor e, através das minhas palavras e das minhas fotos, homenagear o Dusky, permitindo assim que a sua memória viva para sempre.

 

 

Se tiver de retratar a sua curta vida, irei primeiro recordar o trabalho e as preocupações que me deu: o meu cão eletricista arrancava calhas das paredes e puxava fios, tirava lenha do amontoado para roer (mas nunca ajudou a carregá-la até à lareira por mais que lhe tentasse ensinar a habilidade), era o terror dos pássaros que nidificavam no quintal, e talvez também, o terror das pessoas que caminhavam pela estrada ou que se arriscavam ao portão. Este maravilhoso guarda era o cão mais meigo que alguma vez tive. No entanto, passei as passas do Algarve com as suas infeções de olhos que exigiam gotas quatro à cinco vezes ao dia, com a medicação para o coração que, durante nove meses só tomou quando lhe apetecia, pondo diariamente a minha paciência e imaginação à prova. Durante largas semanas, só pensei em mil e uma maneira de esconder os comprimidos na comida e disfarçar o seu sabor.

Sei que, em breve, só me vou lembrar do companheirismo, do sossego que era senti-lo ao meu lado, do hábito que ele tinha de bater uma soneca frente à porta de casa, mas também da cauda que me fustigava as pernas como um chicote, e de quando, de tão contente, se rebolava no chão, pronto para receber festas na barriga. Não há nada que pague esse amor puro, a fidelidade desse amigo que se manteve sempre ao meu lado, na alegria, no choro ou no desespero, e que, com um único olhar meigo, sabia me devolver o sorriso.

 

 

Hoje, poderia pensar nunca mais, doeu demasiado e já sofri bastante, nunca mais quero passar por nada disto. Mas não. Se esta etapa da vida se torna tão dura é porque ao meu lado existem pessoas que contam para mim, e para quem eu conto (mesmo quando sirvo de distribuidor guloseimas e croquetes). Hoje sei, que apesar de tudo, quero continuar rodeada desses seres que se tornam tão importantes para mim que temo perdê-los a cada sopro, mesmo que signifique ter de enfrentar de novo esta aflição. Isso porque o medo de perder alguém, mesmo que me atormente, me aterrorize, revela que não estou sozinha. Se pensarmos bem, estas experiências difíceis são meramente o reflexo da vida e acredito que, por mais que custe, vale a pena aceitá-las.

Com elas aprendi a maior lição: o amor que temos para dar e para receber, não se esgota, multiplica-se.

 

 

Até sempre meu Dusky. 

 

 

Lylise